Análise: cardápio das semifinais do Paulistão vai do tatiquês ao lúdico em times imperfeitos

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GloboEsporte.com

Alexandre Lozetti

Em equilíbrio, Corinthians, São Paulo, Palmeiras e Santos oferecem ingredientes distintos na busca do título. Não convém ignorar ou menosprezar nenhum deles.

Debates contemporâneos levantam questão sobre a verdadeira essência do futebol. O tatiquês (sic) e o lúdico protagonizam duelo tolo. Ambos são ingredientes indispensáveis de um jogo cada vez mais complexo. Há muitos outros e se completam. As semifinais do Paulistão ofereceram o cardápio quase em sua íntegra.

Imperfeitos, os quatro grandes tiveram pontos fortes e fragilidades nítidas. A balança pendeu mais a favor de São Paulo e Corinthians do que para Palmeiras e Santos.

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Nenhum deles apresentou repertório suficiente para materializar seus trunfos em vitória. Isso nos levou a deliciosas – para torcidas alheias – disputas de pênaltis. Já são cinco consecutivas no estadual: as duas semifinais e a final de 2018, e esses dois confrontos recentes.

Não houve, nesses quatro jogos, futebol mais bem praticado que o do Santos no Pacaembu.

Jorge Sampaoli e Fábio Carille estudam estratégias para vencer um ao outro desde o 1 a 1 no amistoso de janeiro. Na primeira fase, a opção do Corinthians por sufocar a saída de bola exigiu mudanças no sistema tático planejado pelo Santos. A superioridade da preparação de Carille não fez o placar se mover.

Sampaoli abraça Carille em Santos x Corinthians — Foto: Marcos Ribolli

Sampaoli abraça Carille em Santos x Corinthians — Foto: Marcos Ribolli

Na primeira semifinal, a anulação mútua limitou o jogo a uma insossa disputa por espaços. Na volta, Sampaoli posicionou os laterais Victor Ferraz e Diego Pituca centralizados na saída de bola, à frente da primeira linha de construção, e atacantes abertos numa etapa posterior para alargar o campo e criar espaços.

O massacre santista não se resumiu aos números, foi claro aos olhos até mesmo de Andrés Sanchez, presidente corintiano em “modo sincerão” ao resumir a partida.

Com estudo, é possível enxergar e explicar os mecanismos que fizeram o Santos tão superior. Para rabiscar a razão da classificação corintiana é necessário recorrer também ao abstrato.

O talento, os treinos e a sequência de sete anos como titular fazem de Cássio um goleiro capaz de produzir “injustiças”. Mas qual é a tática que tira o monstro da jaula em decisões? Quanto mais vale o resultado, melhor Cássio joga. Que tipo de força mental, de energia, o faz se agigantar nesses momentos? E como negar a capacidade do Corinthians de ter resultados melhores do que desempenho?

Cássio faz defesa em Santos x Corinthians — Foto: Marcos Ribolli

Cássio faz defesa em Santos x Corinthians — Foto: Marcos Ribolli

Ao Santos faltou um centroavante para segurar a dupla de zagueiros do Corinthians e criar ainda mais espaços de circulação rápida de bola perto da área, e alguém com instinto de Cássio. O tático e o instinto. Ambos poderiam ter resolvido.

Na outra semifinal, São Paulo e Palmeiras não fizeram gols – a não ser em impedimentos bem assinalados pelo VAR – em 180 minutos, mas houve instantes de inspiração. O entretenimento foi de melhor qualidade no Morumbi. Na arena alviverde, prevaleceu a luta psicológica. Também faz parte. Também leva a melhor quem sabe enfrentar fantasmas.

O estádio do Palmeiras tem quase cinco anos de pura hostilidade ao São Paulo, ainda sem vitórias por lá. Numa tarde pobre de ideias e realizações, a grande notícia foi a reação de Igor Gomes, 20 anos, à tentativa de intimidação de Felipe Melo, 35 e uma Copa do Mundo nas costas.

– É o jogo dele, falar, um jogo mais malandro. A gente tem que se adaptar a esse jogo. A minha adaptação foi retrucar. Ele começou a falar, eu comecei a tirar sarro dele, e depois ele começou a parar. É assim, vivendo e aprendendo. Temos muito a aprender ainda. Esse tipo de vivência é muito importante – relatou o jovem.

Felipe Melo e Igor Gomes disputam posse de bola em Palmeiras x São Paulo — Foto: Palmeiras Oficial

Felipe Melo e Igor Gomes disputam posse de bola em Palmeiras x São Paulo — Foto: Palmeiras Oficial

Moleques talentosos surgem aos montes da base tricolor. Nem sempre tão destemidos, com esse ímpeto. É possível que tal coragem se explique justamente no fato de Igor olhar para o lado e reconhecer Luan, Liziero, Antony, e assim sentir-se familiarizado. Como entender ou julgar reações espontâneas, de reflexo, que obedecem a personalidades distintas?

Reunir de uma vez a geração vitoriosa de Cotia no time principal é o remendo de mais um planejamento equivocado. O remendo virou solução, ao menos a curto prazo.

Esse São Paulo apresenta um contagiante tesão universitário pelo jogo. É um marco zero para alcançar refinamento tático. O trabalho de Cuca e a incorporação de Hernanes, Pato, Tchê Tchê, Vitor Bueno, além da volta de Pablo, são razões para acompanhar a evolução com interesse.

O estágio atual, entretanto, não deveria ter sido suficiente para bater o milionário Palmeiras. Treinar um time de futebol numa era de conhecimento minucioso dos adversários é um exercício constante de reinvenção. Luiz Felipe Scolari vive essa etapa. O estilo de jogo do campeão brasileiro está assimilado e é preciso buscar alternativas. Nenhum time brasileiro tem elenco tão capaz de ampliar o repertório como o Palmeiras.

Nas semifinais, fomos seduzidos pela mobilidade estratégica do Santos, pela vitalidade da juventude do São Paulo, pela presença do goleiro do Corinthians, por instantes de qualidade individual do Palmeiras. Com feições táticas, físicas, técnicas, mentais, estratégicas. No futebol brasileiro, de cobertores curtos e instabilidade pura, é tarefa árdua para qualquer equipe reunir muitas dessas valências.

Este blog tem a pretensão de pensar futebol sob todos os seus aspectos e desfrutar do que ele tem a oferecer. Quanta coisa! Desde o privilégio, a bênção de sermos da geração de Messi e Cristiano Ronaldo, até a emoção das penalidades dos longos estaduais.