Enquanto o Mais Querido vai fazendo história na Libertadores de 2016 – oxalá venha o quarto caneco – é hora de relembrar mais uma conquista emocionante diante do Galo das Minas Gerais, nosso adversário derrotado de quarta-feira passada.
Apesar de perder o Brasileiro de 1971 para eles (ganharam o triangular final com uma vitória sobre o Botafogo), o São Paulo Futebol Clube tem em sua caderneta o Atlético-MG como um freguês histórico. Nos confrontos diretos em mata-matas, levou a vantagem em 5 dos seis confrontos. Em 1991, na semifinal do Brasileiro, empate nos dois jogos e a vaga à final – tinha a vantagem de jogar por dois resultados iguais. Já em 2000, na semifinal da Copa do Brasil, vitória no Morumbi por 3 a 0 e empate em BH. Na Libertadores de 2013, nas oitavas, o Clube da Fé perdeu as duas partidas. Agora, nas quarta-de-final, classificação heróica.
E vocês sabiam que o São Paulo levou a primeira e única edição da Copa Master Conmebol? O torneio, realizado em 1996 em Cuiabá, reuniu os quatro primeiros campeões da Copa Conmebol: Atlético Mineiro (92), Botafogo (93), São Paulo (94) e Rosário Central (95).
São Paulo e Atlético-MG superaram Botafogo e Rosário Central, respectivamente, nas semifinais e disputaram a decisão, que teve o Tricolor como vencedor. Aílton, Almir e Valdir fizeram os gols do triunfo por 3 a 0.
Porém, o São Paulo x Atlético-MG que ficará para sempre na memória de cada torcedor das duas equipes é a finalíssima do Brasileiro de 77, decidida em 78. Em duas partidas épicas, o Tricolor do saudoso volante Chicão segurou o talentoso time do Atlético no peito e na raça, evento digno dos deuses da garra. Depois do 0 a 0 do Morumbi, o Mineirão lotado viu os paulistas pintarem o Brasil de vermelho, branco e preto na vitória nas penalidades! Hoje lembraremos desse duelo histórico, mais uma façanha diante dos nossos fregueses mineiros.
Marcio erra e o Mineirão, emudecido, vê a festa do novo campeão brasileiro
O clima pelas ruas ensolaradas de Belo Horizonte na manhã do dia 5 de março de 1978 (o Campeonato Brasileiro de 1977 só terminou no ano seguinte devido aos 62 clubes impostos pela ditadura militar) era de pura euforia. A torcida do Clube Atlético Mineiro desfilava em carros enfeitados, com bandeira e faixas de campeão. A excelente campanha do Galo na competição, e o fato de jogar a partida decisiva da competição diante do São Paulo no Mineirão, davam a convicção de que os mineiros conquistariam a taça pela segunda vez, já que haviam levado o de 1971. Eles tinham até razão para essa euforia desenfreada, pois a equipe alvinegra estava invicta: em 20 jogos havia vencido 17 e empatado apenas 3 partidas. Não havia conhecido ainda o sabor de uma derrota. Mal sabiam eles, pobres mineiros, do que viria após às 18 horas.
E o Mineirão foi ganhando ares de final de Copa do Mundo. Mais de cem mil irradiantes atleticanos caminhavam pelas adjacências do estádio em puro êxtase. Nada poderia tirar o título de 1977 do Galo. E o clima quente das grandes decisões se fazia presente, com uma pitada de folclore. Reza a lenda que Serginho, nosso Chulapa, suspenso, assim como o artilheiro atleticano Reinaldo, havia conseguido uma medida liminar para atuar. A notícia espalhou-se pelos quentes vestiários do Mineirão e fez alguns atleticanos tremerem. Ninguém sabia se era verdade ou apenas era mais uma das saborosas malícias que ocorrem nas decisões. Aliás, dizem os místicos que o jovem Serginho chegou a colocar o uniforme e fazer aquecimento e, na boa, ficava passando em frente ao vestiário do Galo.
Por ter melhor campanha ao longo do campeonato, o Galo pegava o Tricolor em uma única partida. Quando Waldir Peres, Getúlio, Tecão, Bezerra e Antenor; Chicão, Teodoro e Darío Pereyra; Viana, Mirandinha e Zé Sergio entraram em campo, sobraram vaias. Poucos acreditavam no time escalado por Rubens Minelli. Às 16 horas em ponto, o árbitro Arnaldo César Coelho autorizou o início da partida.
Sem Reinaldo, suspenso, o Galo encontrava dificuldades para passar pela valente defesa tricolor. Os laterais Getúlio e Antenor marcavam duramente os pontas mineiros. Enquanto isso, Bezerra ficava como um líbero, limpando tudo o que via pela frente. No meio-campo, Dario Pereira perseguia Toninho Cerezo e Teodoro marcava Ângelo.
Já Chicão, o verdadeiro deus da raça, não dava espaços para Marcelo. Peres colou em Paulo Isidoro e na frente Viana e Zé Sérgio, mesmo sendo atacantes, marcavam lá na frente.
E mesmo mais preocupado com a marcação, o São Paulo tomou a iniciativa, criando boas oportunidades. Os atleticanos não conseguiam sair da famosa “linha burra” feita pelos tricolores. O experiente Valdir Peres não fez nenhuma defesa importante nos primeiros 45 minutos, assim como o seu colega João Leite.
Em tempo: um dos momentos mais marcantes dessa memorável decisão foi o lance em que Ângelo teve sua perna fraturada por Neca. Caído, ainda foi pisado por Chicão. Coisas de uma tensa decisão! Aliás, Chicão levou por muitos anos a fama de ter quebrado a perna de Ângelo.
Na segunda etapa, o Galo voltou com tudo. Com duas alterações, Joãozinho Paulista no lugar de Serginho Caio e Paulo Isidoro no lugar de Marcelo, o Atlético Mineiro do treinador Barbatana melhorou seu posicionamento no meio de campo e equilibrou um jogo e criou três grandes oportunidades para abrir o placar. Mas foi pouco para vencer os guerreiros tricolores. Na prorrogação, um novo empate levou a decisão para as penalidades. Sofrimento em dobro no Mineirão.
E os trinta minutos extras foi um verdadeiro teste para cardíacos. Chances para os ambos os lados judiavam das duas massas. Aliás, mais de cinco mil são-paulinos prestigiaram a equipe em Minas Gerais. Mas o gol teimou em não sair e a decisão foi mesmo para as temidas penalidades.
E, em 1975, Valdir Peres, conhecido pela catimba e pelas defesas importantes que fazia, já havia dado o caneco paulista após se destacar na decisão das cobranças de pênaltis diante da Portuguesa. A história se repetiria? Na primeira cobrança, Getúlio chutou e João Leite defendeu. Na seqüência, Ziza faz 1 a 0 para os mineiros. Peres converte o segundo para o São Paulo e Alvez põe os mineiros em vantagem. O valente Chicão, acusado de ter quebrado a perna do meia Ângelo durante a partida, chuta para a defesa de João Leite. Joãozinho também erra para o Galo. Antenor tinha que fazer. Na cobrança, ele faz e segue o martírio para ambas as torcidas. Logo depois, Cerezo, que anos mais tarde seria nosso ídolo, perde a sal cobrança e iguala o placar. O último para o Tricolor seria cobrado por Bezerra. Ele faz e joga a responsabilidade sobre o becão Marcio. Valdir catimba, fala algo para o zagueiro. Ele põe a bola na cal, mas suas pernas tremiam muito, o medo de errar era maior. O silêncio tomou conta do Mineirão ao vê-lo correndo para a bola. Ele chuta, ela toma vôo, e vai por cima da meta tricolor. Fim de jogo! O São Paulo comemora o seu primeiro título brasileiro dentro da casa do adversário. Festa dos comandados de Rubens Minelli. O Mineirão presencia a festa dos milhares de são-paulinos e a tristeza incontrolável dos atleticanos. A raça tricolor superou a técnica mineira.
Nota do site oficial do Atlético Mineiro: “Muitos consideram a perda da decisão do Brasileiro de 1977 a página mais triste do futebol alvinegro”. Que delícia!!!
Ficha
Atlético-MG 0 x 0 São Paulo
Data: 5 de março de 1978
Local: Mineirão, Belo Horizonte – MG
Árbitro; Arnaldo Cesar Coelho
Renda: CR$ 6.857.080,00
Público: 102.974 pagantes
Prorrogação: 0x0
Pênaltis: São Paulo 3×2
OBS: Na prorrogação 0X0. Nos pênaltis Atlético 2X3 São Paulo. Marcaram: para o Galo: Ziza e Alves e para o São Paulo: Peres, Antenor e Bezerra.
São Paulo: Valdir Perez. Getulio. Tecão. Bezerra e Antenor. Chicão. Dario Pereira e Teodoro (Perez). Zé Sergio. Mirandinha e Viana (Neca).
Técnico: Rubens Minelli
Atlético: João Leite. Alves. Márcio. Vantuir e Valdemir. Cerezo. Angelo e Marcelo(Paulo Isidoro). Serginho. Caio. (Joãozinho Paulista) e Ziza.
Técnico: Barbatana
Vídeos
Jogo na íntegra (Luciano do Vale – TV Globo)
Penalidades
https://www.youtube.com/watch?v=TixZ5nEKXEo
César Hernandes, o Cesinha, tem 40 anos e muitos deles vividos intensamente por ter sido testemunha ocular de tantas conquistas do Tricolor. Jornalista de formação e historiador por devoção, crê que é importante preservar a memória são-paulina com textos e imagens que servirão de inspiração para as novas gerações. Escreve nesse espaço todas as sextas-feiras.