Do alto da Ilha da Magia elejo um dos principais inimigos de Rogério Ceni para a Temporada 2017: o torcedor passional. As paixões latino-americanas sobretudo das “hinchas” com os seus respectivos clubes tendem a prejudicar o desenvolvimento dos jogadores, especialmente quando um treinador se mostra empenhado a trabalhar com jovens. O fardo a ser carregado é ainda maior quando se quer implementar um futebol ofensivo e competitivo.
Não me parece que o torcedor fanático do São Paulo terá paciência com o seu treinador na primeira sequencia de resultados negativos. Após o título conquistado pelo Grêmio da Copa do Brasil, o Tricolor Paulista passou a ser o time da Série A com mais tempo sem erguer taças. Sequer torneios estaduais foram vencidos. O último torneio a se “dar la vuelta” foi a Copa Sulamericana de 2012, quando o Tigre (adversário da final) se negou a voltar pro segundo tempo sob a alegação de que não tinha segurança.
Quando os clubes europeus fazem propostas por jovens jogadores, contestados no mercado brasileiro, costumam ser motivo de piada por aqui. As torcidas fazem chacota, mas não tem a menor ideia do que os profissionais do comando técnico esperam extrair daquele jovem, qual o potencial de desenvolvimento que ele enxerga ou de que modo pode encaixa-lo a um sistema tático.
São vários os exemplos de jogadores que foram “demonizados” no São Paulo e calaram a boca do torcedor impaciente no futuro; dentro ou fora do clube. Exemplo recente é o de Casemiro. Entendedores da torcida sãopaulina o chamavam de preguiçoso, ruim de passe e nem esperaram o talento dele se desenvolver. O resultado é vê-lo hoje como peça chave do esquema do Real Madrid, e primeiro volante titular da Seleção Brasileira.
O mesmo torcedor que condenou Casemiro é aquele que afastou Kaká e Luís Fabiano do São Paulo, em meados dos anos 2000. O segundo ganhando o carinhoso apelido de “pipoqueiro” pelos “jênios” da torcida. Após isso, Kaká foi Bola de Ouro e Melhor Jogador do Mundo; Luís Fabiano foi centroavante da seleção na Copa do Mundo, ganhou Copa Uefa com Porto e Sevilla. Mas pro São Paulo não serviam, para alguns torcedores.
Nesse momento vemos outro grande jogador, Michel Bastos, saindo pela porta dos fundos. Afirmo categoricamente que Michel arrebentou na Libertadores de 2016. Fez gols em jogos do mata-mata como contra Toluca e Galo, e só não balançou as redes do Atlético Nacional por grande atuação do goleiro Armani. Assisti no estádio, aqui em Florianópolis, ao lado de um amigo francês, a vitória de 2 a 1 do São Paulo sobre o Figueirense. O amigo ficou frustrado por não ver Michel Bastos em campo por tudo de bom que ele fez no Lyon e Lille.
Outros jogadores conseguiram dar a volta por cima ainda no São Paulo. São casos como de Edmílson e Marcelinho Paraíba. Ambos extremamente contestados e inúteis para vários torcedores. Com mais tempo de casa Marcelinho Paraíba virou um dos principais jogadores do time, enquanto Edmílson passou a atuar como zagueiro e até gol de bicicleta em Copa do Mundo fez, sendo titular da seleção vencedora de 2002.
Hoje
Mais uma vez chegamos numa encruzilhada. Rogério Ceni vai jogar pra frente e tem vários jovens de qualidade nas mãos para transformar em realidade prática. Só vai conseguir se a diretoria parar de tratar torcedor passional como cliente, em razão do Sócio-Torcedor. Há de se ter profissionalismo e paciência com os jovens jogadores. Até mesmo talentos do quilate de Fernandes, Neres e Araújo podem oscilar; o que não podem é ser “demonizados” enquanto encontram o seu melhor futebol e se desenvolvem. É essa conscientização que se deve ter.
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Alexandre Velame é Jornalista e Advogado, são-paulino há quase três décadas e usuário da SPNet desde 1997. Escreve nesse espaço aos domingos.
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